sábado, 28 de maio de 2011

PÍLULA DO FIM - Número 10

A morte me cai bem

Eis que, pra quase tudo, desde que o tudo tenha extremidade no tempo e no espaço, chega o fim. O fim de semana, o fim do livro, o fim do amor. Ergam-me, pois, à imensidade, porque, finalmente, o meu chegou. Fim de homem, por assim dizer. Ou a finalidade de ser. E, se não tenho mais propósitos em ser um bípede, um mamífero de espinha ereta ou viver em função de bater a testa, levito. Pelo simples poder de minha vontade, desprendo-me do gesto oficial, da pressão exercida, do tédio e do Toddy, e, literalmente, tiro os pés do chão. A partir de agora só tomo leite em pó. E só vivo um dia demarcado: sábado. Porque um dia depois nem sei se vai acontecer. No último, por exemplo, levantei tão-somente para bilhetes responder, simples e coloquiais. Cantarolei "Cream Dream", Fabrício gargalhou às 14h, o tempo passou, e tão de repente que nem se virou pra me dizer adeus. "Para sempre teu, para sempre meu, para sempre nosso", disse Mr. Big a Carrie. Seria o sempre mais finito que mereço. Tão nobre e profundo que pareceria eterno, não fossem os uivos do cão de Luc. Noite adentro, Ícaro gritava em prolongado lamento, quebrando até o poético barulho do vento. Saímos incomodados, e, uma bandinha de rock depois, Ícaro era só silêncio. Morte misteriosa e finita esta do repouso da dor. Essa imobilidade sim, é um cessar definitivo. É a privação ou o crivo do direito e da razão de ser culto. Se bem que "ser cult é mandar todo mundo tomar no cult", diria Selma, impagável. Então, assumamos as cenas passageiras, fáceis de esquecer. Pauline urinando no chão, Edilando sorrindo, uma pedra tinindo o caminho e mais uma noite que encerro sozinho. Este é meu fim às quatro da manhã. "L'État c'est moi", respondo ao pobre cantador na pista do Zoo. E grito meu nome de batismo, quebro uma garrafa no balcão, vomito meu mito no chão. Quando percebi, fim de noite foi o que vi descer ao Posto da Solidão. Alguns chamam o termo da madrugada de histeria coletiva, outros de festa popular. Se paro pra pensar, no entanto, faço-o com o fim de julgar. Por via das dúvidas, escolhi outra inesperada fronteira. Deixei de ser homem para, afinal, explorar novos e estranhos mundos, descobrir formas de vida, ir a lugares onde ninguém antes esteve, nem que seja o final daquela rua. No meu fim de linha declarado, a morte me cai bem, mas a vida teima e continua.

Marco Antonio J. Melo

7 comentários:

  1. entre a teima de viver e o tédio que deve ser morrer, fico com a primeira opção (embora nas suas palavras "artistas", vejo que o fim de tudo embora seja certo, ele é sempre novo.

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  2. Espero que o blog teime e continue também. =)

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  3. A vida teima e continua e eu agora visto a pele de um cão. Nessa semana que termina, para mim, no domingo, eu vesti a pele de Sulamita, uma rainha persa que morreu sonhando. Visto peles semanais e vou vivendo... bjo

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  4. um dos melhores.
    vou ali morrer antes do 03 de junho, pra reviver amanhã, ainda com 29, mas com minhas cismas de 79 e uma evoluçãozinha mixuruca.
    boa morte ;)

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  5. "O fim de semana, o fim do livro, o fim do amor."

    O fim é triste e clichê. Continua com o blog?

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  6. O fim me machucou um dia desses, 21 de junho...
    Queria que o fim não existisse.

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