terça-feira, 9 de junho de 2015

ENTRE MAR E CÉU - PARTE II - Número 70

Cena do filme "Interestelar"


Deus?
Onde está?
Inflamo e clamo diante da morte do dia que deixou de brilhar.
Antes pecar, que amar esta noite escura.
É aqui, Senhor. Aqui é meu lar. Este cintilante ponto azul.
Daqui mesmo avisto a luz das estrelas e muito além do que seja e do que for.
Dos eventos do horizonte, além mesmo de onde vou.
Vejo ao longe, ao infinito, todo esse extenso amor, essa Criação.
Vejo os que conheço, os que ouvi falar e todo aquele que já existiu.
Reencontro o cabeludo vizinho, o vigia da bicicleta, o porteiro do prédio e o outro da esquina que viveu em linha reta.
Na poeira suspensa de um breve raio de sol, revejo o silêncio.
Vejo o hippie da pracinha, o barman com um cigarro, o mestre de yoga, a filha de Didi, a moça que passeia com o cão e o verdureiro falastrão.
Enxergo o jovem rapaz com a Bíblia nas mãos, a menina do andar de baixo e meu gato persa à espera no portão.
É aqui, neste mundo solitário, que amo.
E avisto nossa ilusão premeditada de que somos privilegiados na imensidão.
Nós, homens das estrelas.
Destas que nascem e morrem e, quando fenecem, emitem raios ultravioletas.
Ah, as tais estrelas.
Quase todas elas cadentes, brilhando atrás das nuvens cinzas em seus pontos finais e quentes.
Pontos iluminados de esperanças tardias.
E nós, homens falíveis, estacionados nos segundos do tempo a observá-las vazias, quiescentes.
E, por entre as estrelas, ele, o espaço sideral, descerrando seu próprio véu.
Um perfeito horizonte tão completo em sua dimensão que deram-lhe, em estupor, o encantador nome de céu.
E uma segunda alcunha no vácuo deste oceano invertido: Universo.
Eis que verso único sobre este caos infindável.
Força monumental da natureza, desprovida de gravidade.
Eu e minha pequena e infundada verdade.
Mas é daqui, Senhor, deste mundo habitado que tergiverso sobre outras tantas e singulares moradas dos sistemas estelares.
Deixe-me, por favor, nesta fronteira do espaço-tempo.
Porque é aqui que elevo meu pensamento a Ti.
Ergo muito acima das teorias, lá onde tudo se resume.
Sim, eu sei, muito menor é este juízo que a mais silenciosa sinfonia das leis que regem as galáxias, mas é um louvor à Sua direção.
A esta combinação solícita e perfeita que nos faz, dia após dia, pousar felizes sobre as nebulosas espirais.
Sou um flanair das massas astrais, Senhor.
Não deixe, portanto, eu ir tão desencanto à noite escura.
Meu coração ainda bate em órbita.
Ainda vivo! Ainda perdura.
Cheio de poeiras cósmicas, buracos negros e desconhecimentos, mas, na alta noite que se faz, tão enlevado e agradecido vivo.
Permita-me notar, com olhos marejados, esta noite pontilhada das velhas estrelas de Sua infinita casa.
Deixe-me contemplá-las, as estrelas, daqui mesmo, Senhor.
Assim, encerro-me por inteiro num breve poema de amor.

Marco Antonio Jardim

(inspirado no filme "Inrestelar", dirigido por Cristopher Nolan, no vídeo "Pálido Ponto Azul", de Carl Sagan, e no livro "O Grande Enigma", de Léon Denis)