segunda-feira, 2 de maio de 2011

PÍLULA DE VIDA E MORTE - Número 6

Cena do tsunami no Japão


"Que opinas desta foto? Como me veo?". A pergunta quase inestimável, feita em espanhol por Joara, e não me recordo o contexto, deveria ser de minha autoria. Enquanto uma parte do mundo - o que me cerca, mas não me insula - induz que eu opine sobre tudo e todos, sobre vida e morte, ou, em sentido oposto, declara de forma plana o que sou, no fim das contas necessito, sim, ser percebido e compreendido com profundidade que seja, pelo menos, a de um poço. Não é declaração do ego exacerbado nem drama, aquele gênero que por vezes faço entre a tragédia e a comédia da vida para tornar a minha menos simplista. Como diria, talvez apressadamente, minha irmã Nalim. É, antes de tudo e nada, uma busca, um impulso de descobrir quem sou, para onde vou, e, definitivamente, o que quero. Em resumo, é o que tem de ser, viver e morrer. Entretanto, foi-me imputada a condição de autor. Deus é que é autor do mundo. A mim resta apenas sonhar, entre o plano físico e o imaterial, ainda que seja um estado que meu corpo, ultimamente cansado, não consegue registrar. Mas trago à memória - e pasmo estou - um fato: Esmon me ligou. Não fosse a forma particular da mensagem, nada seria tão assombroso. Ele disse coisas animadoras, benevolentes e até, digamos, felizes. Falou sobre um laboratório que fez com uma filósofa sobre "Tempo e Depressão". Disse que preciso parar de tanto andar, falar e pretender mover o mundo, mas não de dançar. Disse que preciso reorganizar as minhas forças armadas, mas pra abraçar as causas até onde meus braços alcançarem, e não no além. Esmon contou que vai comprar um sítio, um lugar rústico, com uma pequena granja. Disse que, ultimamente, parece que deixei de existir. Durante a conversação, que me causou profundo bem-estar, um som quase etéreo, ao fundo, chamou-me atenção. Esmon escutava Beatles, naquele início de manhã vivaz. Por fim, disse que, um dia, gostaria de ser meu colega no curso de Cinema, para criarmos, juntos, obras de real imaginação. Os embates do universo contra Esmon agora pareciam tão meus. E pensar que Glauber, um rapaz que trabalhou comigo, jovem crítico, premiado no Rio por uma oficina do cineasta Orlando Senna, que entrevistei há dois anos, fez um roteiro sobre os vários suspeitos de um fictício assassinato a Esmon. Eu, talvez, fosse a exceção da lista, mas agora me vejo sob o juízo do próprio a matar a mim mesmo. No sentido de deixar as vestes velhas do destino e adotar um homem novo, renascido. Andei relembrando gente célebre que, para uns, morreu aparentemente em vão, ou, para outros, serviu de inspiração. Carlos Augusto Strazzer, por exemplo. Ator brasileiro que faleceu em 93 ou 94. Fez Crespy, um conselheiro perverso em "Que Rei Sou Eu?". Numa entrevista profundamente franca, em maio de 92, ele falou de uma época de grandes preconceitos e poucos entendimentos sobre viver e morrer. Parecia ter, perto do termo, uma consciência sobre si e o que faria depois. Tarde demais? Não sei. O que consigo pensar é que viver é agora e, logo mais, pode não ser. Assisti um documentário sobre tsunamis. Um alerta repentino da existência e do fim. Numa das cenas, mediu-se 46 minutos de tragédia, com ondas de mais de 10 metros e incontáveis toneladas de força, destruindo cidades. O que eu pensava naquele exato instante em que parte do globo sofria revezes? Em cortar o cabelo para resgatar certa aceitação de mim mesmo. Entre o espanto provocado pelo diálogo com Esmon e a profunda austeridade japonesa, li uma citação de Teresa D'Ávila, poeta mística, indicada por Strazzer: "Vivo sem viver em mim. E tão alta vida espero, que morro porque não morro". Se é preciso, então, que eu me encerre para descobrir 'como me veo', farei exatamente assim. Morrerei em mim.

5 comentários:

  1. Tereza D'Ávila deve ter falado muito também em "noite escura da alma", que tem a ver com o momento seu e uns momentos meus. Momentos em que percebemos que matar alguém é como cortar o cabelo de alguém. Tsunamis ainda vão arrastar mais um montão e eu ainda não decidi se é melhor pra mim ficar ou pegar jacaré num deles. Mas daí eu lembro que se ficar no Planalto Central vai ser mais difícil. "Serásse?"

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  2. Bom é o que existe entre nascer e morrer. Gozar do ínterins é o que nos cabe. Da vida, quero mesmo a vida, e da morte a morte.
    Invejo quem consegue entrelaçar tantas coisas e fazer sentido.
    Abraço meu caro. Que essa inspiração não cesse.

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  3. Um anjo falando de mim, que honra. Essa pergunta era m vírus do meu msn que enviava para todos, mas está valendo. e vc e Esmon juntos, que dupla seria em?

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  4. "Morrer em mim"? - Será?... - Afinal, quem mais poderia me contraditar com tanta sinceridade?

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  5. A VIDA
    Poema lírico-juvenil
    Emile Brontë

    A vida, acredita, não é um sonho
    Tão negro quanto os sábios dizem ser.
    Frequentemente uma manhã cinzenta
    Prenuncia uma tarde agradável e soalhenta.
    Às vezes há nuvens sombrias
    Mas é apenas em certos dias;
    Se a chuvada faz as rosas florir
    Ó porquê lamentar e não sorrir?
    Rapidamente, alegremente
    As soalhentas horas da vida vão passando
    Agradecidamente, animadamente
    Goza-as enquanto vão voando.
    E quando por vezes a Morte aparece
    E consigo o que de Melhor temos desaparece?
    E quando a dor se aprofunda
    E a esperança vencida se afunda?
    Oh, mesmo então a esperança há de renascer,
    Inconquistável, sem nunca morrer.
    Alegre com a sua asa dourada
    Suficientemente forte para nos fazer sentir bem
    Corajosamente, sem medo de nada
    Enfrenta o dia do julgamento que vem.
    Porque gloriosamente, vitoriosamente
    Pode a coragem o desespero vencer.

    Emile Bronte, 1818-48, escritora inglês, Life

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