sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

PÍLULA DO QUE FALO E DO QUE CALO - Número 32

Imagem hiper-realista de Alex McLeod

Quero falar de ausências. Falta de grana, de portas abertas, da compreensão de algumas pessoas do meu círculo, falta de alegrias repentinas. Quero exprimir a sensação de impotência, abatimento, de carência e sufocamento. Passa-se meio segundo e quero dizer outros sinais. Do impacto de trinta bombas atômicas. De 200 mil mortos. Dos que ficaram, que agora saqueiam, roubam, estupram e matam. Quero discorrer sobre o estado de vida "solitário, miserável, sórdido, brutal e curto", do qual escreveu Thomas Hobbes há séculos. Da guerra de todos contra todos. Quero falar do embate espiritual com a morte. A velha senhora que palita os dentes, como asseverou Lya Luft. Amarga morte, de semblante falsamente piedoso, que se esgueira pelas frestas do portão da vida e pelo corredor da espera, de cabeça baixa, minando os vestígios do tempo. "A melhor invenção da vida é a morte", sentenciou Jobs. Estamos cercados por este querer. O mundo inteiro está vendo, por cima, por baixo, pelos lados, andando, voando, acenando. Cercados da cessação definitiva. Da imobilidade e extinção. Quero expressar a perda de beleza, de afetos, de cobrir e descobrir, do tempo de paz ou mesmo o de luta. Há muito grito, pouco amor. Quando penso num dia, passaram-se anos. Quero perguntar se ainda há tempo de mudar um pouco o mundo. E quero também afirmar as esperanças. As almas soterradas que são salvas. A motivação genuína em torno das tragédias dos dias. Como uma prece, uma oferenda, um próximo passo. Como um rito de passagem do instante. Do lugar sagrado, do tempo, do bosque e do coração. Do universo em comunhão. E da roupa que foi guardada para este dia. Dos anônimos que desejam mudar, crescer, mesmo que doa. Do respirar coletivo, um ato venerado. Quero discorrer a angústia no entulho da frente de casa. Descer, caminhar, lutar contra o termo. Quero declarar guerra contra a falta de contentamento e o terremoto de alguns graus no assentamento da minha relação com os outros. Quero me conhecer e pensar que passa. Que pode ser um vislumbre iluminado na paisagem triste. Ao som de "Alley Cats" repetidas vezes, quero falar, conversar breve, suave. Amar o que faço, ainda em vida. "Eu queria falar de música e partida", disse Brena, contemplativa. Pois quero manifestar. Flertar com as três gordas meninas. A vestida de bolo, a do velório, a do nada. Quero contar o amanhecer. "Irresistível", descreveu Ana Karla. Quero um dia ser como o dia, inspiração. Apostar no belo do estranho, coser Pina Bausch e Caetano, falar de memória e amor. Exercitar o senso de humor. Para o estranho, dizer: "Obrigado pelo vinho rosé". Quero discursar ao púlpito. Ser político, diplomata e jornalista, historiador e jurista. Ser poeta. Ser. "Vem dormir no meu terraço", convidou Juelton. Vou com robe de seda japonesa, malas Louis Vuitton, tirar a camisa em público, no colo deitar e, sim, deixar falar. Unir os eixos de mim, ao gosto do picolé de amendoim, da camiseta Beach Culture. Filosofar o riso e professar o pedido pra que devolvam meu sol de luz perpendicular. Deixar que um novo alguém pouse os olhos em mim, que me coma e me beba um copo de mar laranja profundo ao navegar o meio do mundo. E se, ao lado desse oceano de ausência, num sopro de solidão, eu ouvir outras vozes falando, quero calar em devoção.

Marco Antonio J. Melo

2 comentários:

  1. Num mar de angustias comuns, quem tem olhos abertos é como um farol que serve de guia.
    No meio da multidão que caminha à esmo, quem tem boca vaia Roma e vai ao mundo.

    Clarividência meu caro. É disso que estamos falando...

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  2. Quanta baboseira. Desculpa, não tive paciência.

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