Imagem hiper-realista de Alex McLeod |
Quero falar de ausências. Falta de grana, de portas abertas, da compreensão de algumas pessoas do meu círculo, falta de alegrias repentinas. Quero exprimir a sensação de impotência, abatimento, de carência e sufocamento. Passa-se meio segundo e quero dizer outros sinais. Do impacto de trinta bombas atômicas. De 200 mil mortos. Dos que ficaram, que agora saqueiam, roubam, estupram e matam. Quero discorrer sobre o estado de vida "solitário, miserável, sórdido, brutal e curto", do qual escreveu Thomas Hobbes há séculos. Da guerra de todos contra todos. Quero falar do embate espiritual com a morte. A velha senhora que palita os dentes, como asseverou Lya Luft. Amarga morte, de semblante falsamente piedoso, que se esgueira pelas frestas do portão da vida e pelo corredor da espera, de cabeça baixa, minando os vestígios do tempo. "A melhor invenção da vida é a morte", sentenciou Jobs. Estamos cercados por este querer. O mundo inteiro está vendo, por cima, por baixo, pelos lados, andando, voando, acenando. Cercados da cessação definitiva. Da imobilidade e extinção. Quero expressar a perda de beleza, de afetos, de cobrir e descobrir, do tempo de paz ou mesmo o de luta. Há muito grito, pouco amor. Quando penso num dia, passaram-se anos. Quero perguntar se ainda há tempo de mudar um pouco o mundo. E quero também afirmar as esperanças. As almas soterradas que são salvas. A motivação genuína em torno das tragédias dos dias. Como uma prece, uma oferenda, um próximo passo. Como um rito de passagem do instante. Do lugar sagrado, do tempo, do bosque e do coração. Do universo em comunhão. E da roupa que foi guardada para este dia. Dos anônimos que desejam mudar, crescer, mesmo que doa. Do respirar coletivo, um ato venerado. Quero discorrer a angústia no entulho da frente de casa. Descer, caminhar, lutar contra o termo. Quero declarar guerra contra a falta de contentamento e o terremoto de alguns graus no assentamento da minha relação com os outros. Quero me conhecer e pensar que passa. Que pode ser um vislumbre iluminado na paisagem triste. Ao som de "Alley Cats" repetidas vezes, quero falar, conversar breve, suave. Amar o que faço, ainda em vida. "Eu queria falar de música e partida", disse Brena, contemplativa. Pois quero manifestar. Flertar com as três gordas meninas. A vestida de bolo, a do velório, a do nada. Quero contar o amanhecer. "Irresistível", descreveu Ana Karla. Quero um dia ser como o dia, inspiração. Apostar no belo do estranho, coser Pina Bausch e Caetano, falar de memória e amor. Exercitar o senso de humor. Para o estranho, dizer: "Obrigado pelo vinho rosé". Quero discursar ao púlpito. Ser político, diplomata e jornalista, historiador e jurista. Ser poeta. Ser. "Vem dormir no meu terraço", convidou Juelton. Vou com robe de seda japonesa, malas Louis Vuitton, tirar a camisa em público, no colo deitar e, sim, deixar falar. Unir os eixos de mim, ao gosto do picolé de amendoim, da camiseta Beach Culture. Filosofar o riso e professar o pedido pra que devolvam meu sol de luz perpendicular. Deixar que um novo alguém pouse os olhos em mim, que me coma e me beba um copo de mar laranja profundo ao navegar o meio do mundo. E se, ao lado desse oceano de ausência, num sopro de solidão, eu ouvir outras vozes falando, quero calar em devoção.
Marco Antonio J. Melo
Num mar de angustias comuns, quem tem olhos abertos é como um farol que serve de guia.
ResponderExcluirNo meio da multidão que caminha à esmo, quem tem boca vaia Roma e vai ao mundo.
Clarividência meu caro. É disso que estamos falando...
Quanta baboseira. Desculpa, não tive paciência.
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