sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

PÍLULA DA BUSCA POR BOAS NOTÍCIAS - Número 33

Imagem da Praça Tahrir, no Egito

Busco uma boa notícia. Ainda é mais cômodo esse percurso do que ser o poeta da esquina que recita versos pra uma multidão que só deseja as vestes. Conheço pessoas, por exemplo, que não sabem que o Haiti é aqui, na América, e não na praça Tahrir. Ainda me impressiona saber que os habitantes de Port-au-Prince, capital do país sem nação da Ilha de Domingos, estão no limite da barbárie. Ainda fazem fogueiras alimentadas com corpos. Os "fortes" matam por pouco. Os "fracos" dormem pouco, nas ruas, longe dos restos da cidade e perto uns dos outros, na vã tentativa de evitarem a morte e o roubo daquilo que não mais têm. Parece ser a volta dos tontons macoutes, agora sem um único Papa Doc. O Haiti é um lugar ou um furo? Porque os do Egito se satisfazem em cima do muro. Procuro uma boa notícia. Um registro sísmico da alma. Para sorrir como Dona Tereza. Uma gargalhada farta e genuína, mesmo sob o som da chuva no telhado de zinco. "Dá água na boca", justifica ela sobre o riso alongado. Na pequena TV, ligada na cozinha, enquanto Dona Tereza servia bolo de erva doce, via-se uma reportagem sobre duas ossadas encontradas na Espanha, datadas de 6 mil anos atrás. Ossadas de duas pessoas que estavam abraçadas, num suposto vínculo de amor. Afeição, querer bem? Ou atração, satisfação? Descubro uma boa notícia, uma resposta aguda a uma pergunta astuta. Mas nem sempre o que escrevo ou o que sou desperta sentimentos semelhantes. Para Di, o neologismo cunhado (e mal dito) é chamado de "pilulismo". O que significa - ainda que sob circunstancial mas cruel sarcasmo - algo que não lhe parece claro. Ou clarividente, como diria um bom amigo, outra vez aprisionado. Talvez, para Di, não seja tão óbvio que eu esteja me referindo a Di Cavalcanti, imerso em dúvidas quanto à sua liberdade como homem. São as armadilhas do senso comum. Porque falo mesmo para confundir, enquanto ele continua estando, não sendo. Divulgando notícias, enquanto desejo tão somente as boas. "Você tem uma sensibilidade, uma peculiaridade comportamental, uma forma de escrever caprichosa (caprichos supérfluos explícitos e tal). Às vezes, isso vaza aqui e ali, e, de repente, você, em seu também egocentrismo, nem nota que se entrega", disse, a mim, William, um bardo às avessas, afeiçoado ao mundo particular. Thalles, homem médio, equilibrado, sem excessos e sem carências, foi ainda mais lacônico: "O que você escreve é uma baboseira. Não tenho paciência". Torno públicas as boas notícias, pois. Em maior número possível, porque me parece que o mundo gosta é de destroços, mais visíveis na madrugada. É uma garagem em pedaços ali, bolsas e sapatos jogados no chão de acolá, uma segunda-feira inóspita adiante. Quanto espaço sufocante. Minha semana, portanto, só começa na terça. É quando cedo ao trivial. Volto à área dos fundos da Casa d'Arquitetura, sento no banco de madeira gasta, fumo um cigarro. Por vezes, Lara, Aline e Ana me acompanham em amenas conversas de primavera árabe ou verão. O sol acende o vermelho da parede sem grafites e as pétalas de flor de pitangueira forram o chão. Nestas horas passageiras, sinto saudade do pequeno grande Ícaro. Não mais o verei por longos meses. Sinto o cheiro de boa comida que vem do andar de baixo. Sinto a sombra de um lugar real. Boas notícias são bem-vindas, como brisa na face em dia quente. E qual dos rostos é o meu? O que espreita o mundo, o zeitgeist, ou o que olha pra dentro, pro espírito do tempo interior? Há oito anos, enviei um e-mail ao codinome Vezzio. Exatamente às 14h56 do dia 25 de janeiro. Do rebordo, eis que ressurge esta pessoa com outras informações e lembranças. Pergunto se o limbo está no mapa dos meus sonhos. Como o que se repetia quando criança. Toda noite, eu caminhava por um campo sombrio, sob a lua cheia, então via um sobrado antigo e uma árvore espessa. Escutava o som de um piano, via luzes acesas e acordava. Que venha desse lugar descascado pelo tempo, desse purgatório, boas notícias. Mesmo que sejam, no fim das contas, um lugar comum.

Marco Antonio J. Melo

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