domingo, 7 de agosto de 2011

PÍLULA DA BÚSSOLA - Número 20



Inevitável pensar no futuro, mesmo sob a égide dos dias últimos em que escolhi viver presentemente. Marcus, com seu quase sempre ponderado aconselhamento, disse-me que temos de seguir em eterno estado de tensão. Alexandre, o Grande, o Magno da Macedônia, também ansiava apaixonadamente pelo que podia existir depois do horizonte, à revelia do que lhe apontava Aristóteles, apelando para a razão. Prefiro ser sereno, ainda que também tentando sintetizar, dentro de mim, ocidente e oriente. Tenho, por isso, maior afeição por Heféstion, filho de Amíntor. De toda forma, ambos pareciam muito livres ao tempo e ao amor. Sucumbiram, mas seus nomes ainda têm eco que passeia lado a lado. São a prova de que todo homem pode ser bússola. Todo homem de honra, obviamente. Eu, dedicando meu olhar ao adiante, tento forçar-me a seguir um caminho próprio. A começar pela oração na estrada da manhã. Quando oro, escolho a direção mais clara, vívida e sossegada. Como o orvalho das folhas que ladeiam a cerca do trilho. E continuo a seguir por essa direção que vai dar, como escreveram, no avarandado do amanhecer. Ou sigo até a Barra, observando pontos estranhos em meio à vegetação rasteira sob chuvisco. Na companhia de Adriana, sempre cheia de entusiasmo, Purki, ainda irascível, mas companheiro de boa alma, e a afetuosa schnauzer Nina. Aqui e ali, víamos um pilar enferrujado, uma casa rosa abandonada ou uma fila de eucaliptos. O verde palha do chão no mais completo contraste com o absurdo da paisagem, entregando a passagem do homem, e do tempo, como numa intervenção de Francis Alÿs, rompendo o cotidiano do nosso olhar. Acima de nós, um céu cinza uniforme, quase opressor. Escutávamos Rick Astley. Não seguíamos nenhum mostrador, nenhum ponto cardeal. A única orientação que nos conduziu nessa tarde foi a repentina vontade de chegar um pouco depois das ruínas de Águas do Catulé. Esqueça a cidade em si, com sua pequena rodoviária de tintas gastas, feira livre de tablados vazios e poucas curvas. Fomos direto à casa de Anderson, o pianista. Um homem de, talvez, quase meia idade, mas bonito, de pele preservada e olhar claro. Permitiu-nos fumar um cigarro, sentados em carteiras escolares que se amontoam em sua garagem, antes de nos apresentar à tia. Não lembro bem seu nome, porém ela recordou os tempos em que conheceu minha família na Rua 7 de setembro e aprendeu a datilografar na escola de meus pais. Durante todo o fim de tarde chuvoso, fiquei a observar os rumos, o vento balançando as finas folhas de erva doce, os cachos de banana no quintal e Anderson. Apesar do jeans, do agasalho de gola alta, das meias sob a sandália de couro, ele sustenta um corpo vigoroso, uma voz grave, ainda que entoada com um puxado de s e pausas típicas de quem já passou por Salvador. Afora o semblante jovem, tem um modo de se expressar muito curioso, desenhando um arco em volta da boca e franzindo a testa, como se constantemente risse das eventualidades. Não dirigiu muito a palavra a mim, mas fez-me duas observações reflexivas. "O que você faz?", perguntou-me. E completou: "Você parece calmo". Levou-nos à sala, sentou ao piano e tocou. Entre outras peças, um trecho de "Sonata Patética", de Beethoven. Anderson parece ser, portanto, um desses homens que se guiou por sua própria bússola. Escolheu um norte e se felicita nele. À noite, já de volta da Barra, detive-me mais ao leste. Sentei ao lado de Ítalo e só conversei, desfrutando sua franca companhia. Ainda tenho o hábito de tergiversar, mas ele meio que me conduz a exprimir plenamente o que sinto. Posso até olhar às minhas costas, ao sul, e ele chama minha atenção. É daqueles que me faz encontrar o caminho de volta quando viajo em outra direção. Até tive alguma saudade, por estes dias, de Belo Horizonte, do Café com Letras, da máquina fotográfica, de alguém cheirando a encanto. No entanto, cedo ao tempo futuro. Vivo mais tempo, ainda que não saiba exatamente o que fazer com ele. Cedo à minha voz, aos meus segredos e às revelações. É minha luz em propensão. Minha bússola e minha desorientação.

Marco Antonio J. Melo

7 comentários:

  1. Outro dia, enquanto escrevia mais um projeto, refletia sobre a capacidade que tínhamos de direcionar vidas, de fazer com que os outros também respirassem... e hoje enquanto tomo minha pilula da bússola, chego a conclusão de que em meio a minha desorientação, sou bússola a indicar caminhos contrários ao que impede as condições de vida, ao que impede de respirar, de amar e simplesmente viver. Quer seja aqui, quer seja alí, ou até mesmo lá no banco da praça, ou a desfrutar das companhias tão honrosas dos amigos (que assim como nós nos direcionam a novas vivencias)sejamos indicadores de caminhos melhores.
    Obrigado Marco, por mais esta pilúla.

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  2. Olá Marquinhos, vou postar aqui como anonimo, pois não tinha outra opção.

    Adorei o texto, e é importante sim refletirmos o que nos move, em que ou o que nos baseiamos ou seguimos, para descobrir no final das contas que temos que ser a nossa própria bussola, mesmo que tenhamos muito das outras pessoas em nossos olhos em nossos corações.
    obrigado por ter me ofertado estas palavras.
    um grande abraço e tenha certeza que me ajudaram muito.
    Priscila Correia

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  3. Lindo, lindo, a forma que voce falou sobre Andreson, foi muito legal, e a forma com que falou da Barra... Espero encontar minha Bussola um dia...

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  4. Minha bússola é minha desorientação.Todo homem de honra, obviamente, me faz encontrar o caminho de volta quando viajo em outra direção.No entanto, cedo ao tempo futuro.
    Até tive alguma saudade, por estes dias,inevitável, mesmo sob a égide de viver presentemente. Rompendo o cotidiano do nosso olhar como se constantemente risse das eventualidades, Anderson,afora o semblante jovem, tem um modo de se expressar muito curioso.Cedo à minha voz, aos meus segredos e às revelações de alguém cheirando a encanto,ele sustenta um corpo vigoroso, uma voz grave, ainda que entoada com um puxado de s e pausas típicas de quem já passou pelo Café com Letras, Anderson parece ser, portanto, um desses homens que se guiou por sua própria bússola.Ainda tenho o hábito de tergiversar, mas ele meio que me conduz a exprimir plenamente o que sinto: "Você parece calmo". Apesar do jeans, do agasalho de gola alta, das meias sob a sandália de couro,ele chama minha atenção. Eu, dedicando meu olhar ao adiante, tento forçar-me a seguir um caminho próprio. Vivo mais tempo, ainda que não saiba exatamente o que fazer com ele. Anderson, com seu quase sempre ponderado aconselhamento, disse-me que temos de seguir em eterno estado de olhar ao adiante.
    H.L.

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  5. "Cheia de entusiasmo"... Talvez esse seja o melhor jeito de seguir no presente, inteiro, como se não houvesse o depois. Prefiro assim. Por isso sou tão intensa, pois emprego o meu desejo em pequenas doses de pílulas. A.C.

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  6. Parabéns, sua capacidade vai Além de quais que coisa. Vitória da Conquista precisa de um escritor como você. Continue nesse caminho ele será o certo pra ti. Deus proverá tua vida tua capacidade. Parabéns mesmo bjos Cléu.

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  7. Eu mesmo vivi buscando nortes em minhas bússolas. Encontrei-os, tantos, que continuei a me ver perdido, quando mal me acostumara ao alento do encontro racional das direções. Agora, quero bússola louca, quero perder-me além dos caminhos que ela indica. Sempre achei que ela me levaria pro sol dos litorais e ela guinou sua agulha imantada impondo-me sul(s) e sudeste(s), montanhas quase frias, sotaques arrastados em preguiça ao invés dos cantados e rápidos. Eu, desoriento-me e aceito a peregrinação, pois precisei chegar, pra entender que o que me move é seguir, é a busca e não o encontro; é a rosa louca dos ventos em múltiplas direções e não os exatos cardeais que me guiam. Joab Cruz

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