terça-feira, 23 de agosto de 2011

PÍLULA DAS GENTES - Número 22



Existe algo de particular nos dias de Festival. Qualquer coisa particularmente fria na madrugada se sentia. "É uma quermesse de touca e cachecol", definiu alguém na imensa fila de espera. No sentido bom, é como um leilão de prendas ao ar livre. Você bem pode ganhar chocolate ou um beijo que escapou ao canto da boca. E aquele ângulo saliente, no encontro das duas superfícies, é o mapa do encanto da cidade por estranhos frequentada. Definitivamente não é uma boca banguela, porque a cidade fica inteiramente encantada. Gente simples e gente burguesa misturada, convergindo no mapa típico de interior: uma arena, uma multidão. E, se alguém levanta os olhos (e ocasionalmente as mãos), vê-se luz que Paul Gaughin bem poderia amar. É tanta estrela e tanta foto pra contar. Aí tem os espetáculos, os encontros e desencontros, os tipos, as tribos e os índios, os pandeiros, o alaúde, o scratch, e o trem. Às minhas costas, gentes. Todas de bem. A arquiteta e o jovem namorado. O velho com cabelos nas narinas. O quase bêbado, o quase belo, e a fina. Uma adolescente linda e o fotógrafo que finda o olhar em seu flash. As novas loiras de luxo e os microshorts sobre as meias grossas. O casal gay marcando o terreno feliz. E outras tantas gentes tentando respirar ar quente pelo nariz. Nem olho pra trás, mas sei de tudo e todos do que se diz. Ouço as vozes, no contraste do contralto de Frejat. Eu ouço o que desejo. E vejo, como nos sonhos, aquele cara e aquela, dançando no vácuo do gradeado. Eles que estão certos! Os dois me dizem, em duplo som, "hoje você parece belo". Eu, menos estrangeiro no momento que no lugar, vivo, contra o vento, o primeiro ano em que só deixo o tempo passar. E vejo o todo, e o que vi, tanta gente se juntando por ali. Marina, Bethânia, Jardel. Naiara, Dolores, Milena, Leilinha e Quel. Iracema, Suzana, Dedé. Bia, Jamille, Renata, Marcela e Zé. Lívia, Darlan, Cristina, Amélia, Cristian e Robertinho. Cris, Léo, Lucas, Dannillo e Binho. Maurício, Marcelo, Gildásio e Raphael. Agripino, Cecília, Thay, Anuska e Amando. E outras tantas gentes, espelhos da vida, estrelas brilhando. Nomear todas há de ser meu ritual e minha canção. É um povo assim, quase multidão. Gente que formigava os corredores e tendas. Tônico cicatrizante de minhas últimas dores nos pés. Para estas pessoas (e tantas outras inumeráveis), é que refiz o penteado, a roupa e o sorriso maquiado de batom. De mais tempo é que preciso. E meu tempo precisa de mais alma e som. Não parto de nenhum outro lugar, a não ser do bom de mim mesmo. Se é uma verdade e meia, não sei. É que foram dias pouco cartesianos. Eu queria era gente ao meu lado. Gente, um bocado. Não estou nem aí se dizem que é minha zona de conforto contra a solidão, para mim foi puramente real. Nestas ainda frias noites de Festival, joguei meu corpo no mundo e nos cantos, fotogrando as pessoas sem pressa e sem critério. Gente assim, doce mistério.

Marco Antonio J. Melo

8 comentários:

  1. essa ficou mt boa.. as rimas e trocadilhos me fizeram lembrar do chico buarque..

    ResponderExcluir
  2. Mandou bem demais. Um conto, uma crônica que nem vou associar a nenhum outro autor. Vc foi singular. Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Sua descrição cheia de detalhes ,nos dá todo clima de festival novamente...Eu ADOREI

    ResponderExcluir
  4. Exercício difícil esse de se misturar com caê.
    Enxerguei detalhes do festival em seu texto e mesmo "despresente" em corpo, estive em alma e impressões, como há muito tenho vivido essa cidade.
    O que está em suas palavras existe também na quermesse.É o melhor de lá. Espontaneidade calculada. Gente é um lugar de se perguntar.. Lugares que andam. Lugares por onde andamos, deslizamos, estamos e às vezes moramos. E como é bom, e não só porque trata-se de gente, meu cão responde por mim. É por se tratar de vida. Está mesmo certo dizer que estrelas estão no olhar.
    HL

    ResponderExcluir
  5. Gente assim, doce misterio.
    Legal o texto...
    Parece, uma crítica, mas parece
    um elogio...
    Parece cheio de pessoas, mas vazio
    dentroda alma.

    ResponderExcluir
  6. eu amo me encontrar em você!

    ResponderExcluir
  7. O Festival é um show de pessoas bonitas e educadas. Uma quermesse refinada, com um clima único. E cada festival é único! Como o mês de agosto (coincidência ou não) sempre traz consigo alguma reviravolta na minha vida, o festival vem sempre marcado o início ou o fim de vários tempos. Reencontros e desencontros. E que bom que sempre nos encontramos né amigo? Já são muitas histórias de festival pra contar! Uma festa linda! Vale à pena ir todo ano!

    ResponderExcluir