segunda-feira, 13 de junho de 2011

PÍLULA DO DOMINGO - Número 12

Eu no domingo

Enfim, ei-lo que chega: o despertar. Acordei, contente com minha própria sorte e mais forte que o habitual. Tirei do sono também um desejo, quase uma real ambição. O de fazer o tempo parar. Sentei na cama e respirei o ar pelo nariz. Prendi o tempo no pulmão, calcei as meias, vesti o roupão e me enrolei ao cobertor. Ora essa, hoje, por favor, seja domingo também. O que pede um cachimbo para tragar este tempo e além. Aspirei, de novo, a fumaça do frio que sentia e expirei o dia para não fazê-lo cessar. A luz no quarto parecia cinza verde, ou malaquita. Não, cinza azul, azurita. Da cor das paredes, azulado. Ou azul de cobre, quase dourado. No sentido próprio ou figurado, porque meu cachimbo é de ouro, feito um estouro de balão. É que acordei assim, apaixonado, inteiro coração. Arrebatei a multidão de minha casa, despertei o pequeno grande Ícaro, o fiz tomar um banho, um café em xícara branca e o levei à franca manhã. O fiz como se tivesse passeando a mim mesmo, só para ver no rosto dele um sorrir. Ícaro é um touro valente, um tenente. E eu sou seu capitão. Segurei em sua mão direita, porque a esquerda estava dedicada a Quel. Quanto apreço em vê-la, como ver o domingo nascer e morrer. É que ela me enxerga maior, ou melhor, e depois diz que não sei tão bem querer. Amiga vigorosa, inteligente, que olha o tenente ainda frágil de mãos dadas com o capitão. Ela, que é tração sobre o dia, e eu, o capitão ainda fraco, que poderia cair no buraco. Ela que esteve no Rio entre a gramática e a projeção, a praia à noite e o filme de Almodóvar. Quel e seu abraço partindo em pleno domingo, sem pano de fundo ou moldura. É, do tempo, a mais pura expressão. É meu pão com gergelim, tomate seco, queijo branco e peito de peru. É meu aceno a El. "Como vai, pessoa?", perguntou. Vou indo, findo o dia de ontem. É que sigo hoje com certa fome de viver. Entre uma mordida e outra nas horas que se apresentam, bracejei a Glauber, o vendedor de sorvete. E ainda aos olhos claros de Rhaic. E ao doce beijo de Lucas na manhã terminal. Acenei ao reflexo do meu espírito livre. À minha alma febril. A Andy Warhol, à nesga de sol, aos pingos da chuva que ontem caiu. Ainda estão a brilhar. Ah, vou contar um segredo. Domingo reacende minha vontade de reconstrução. É que vi, um dia antes, o fantástico Sr. Fox na televisão. Hoje, e adiante, nos próximos fins de semana, o que eu quero mesmo é ser John Malkovich, ou Alice. Todos os signos que, um dia, me disse. E antes que eu tome ciência que este dia terminou, responda-me: por que toda essa força estranha, todo esse fulgor? Por que essa manha, manhã de imaginação? Num piscar profundo de olhos, passou. Olhei o quarto em volta, agora escuro, e fez-se um buraco e um muro. Fim de domingo tão breve assim? O buraco é fundo em mim. Acabou-se o mundo. Deitei, dormi, arrefeci.

Marco Antonio J. Melo

6 comentários:

  1. Cada um com suas pinceladas diferentes. Este entre uma e outra, as frases curtas, surgindo como antídoto para curar o venendo da monotonia. Atende perfeitamente aos anseios do bom leitor do cotidiano atual. Rápido, aparentemente fugaz, mas com sentido voraz, que alimenta, que contenta.A dinâmica da mudança de sentido encanta e preenche a vontade de quem realmente, entendo o que é bom. Dá para sentir a velocidade dos movimentos, a flexibilidade da palavra entoando em cada canto dos diversos contextos.
    O que dizer? Nada mais do que: Você continua demais, Anjo que me guarda a vida.

    Beijos da sua leitora e fã número um.

    ResponderExcluir
  2. ... O de fazer o tempo parar. Sentei na cama e respirei o ar pelo nariz. Prendi o tempo no pulmão...

    Más é sempre assim, sempre mesmo, comigo não é diferente.

    ResponderExcluir
  3. "Acabou-se o mundo."
    Acabaram-se as palavras...

    ResponderExcluir
  4. Quel pediu pra eu postar o comentário dela aqui, já que não conseguiu:

    "Não tivesse dito que era eu, juro: não saberia! Você é quem me enxerga maior. E eu sou quem não sabe entender e responder à altura. Mas, como o tenente, eu sorri. Porque acaba que é tudo memória. De taaaanto tempo ou do ano passado ou entre o nascer e o morrer do domingo. E fiquei pensando: onde eu estava domingo? Ora, que cabeça a minha...eu estava passeando com você, segurando a sua mão esquerda. É sempre uma alegria reencontrá-lo, de taaaanto tempo ou do mês passado ou entre o nascer e o morrer do domingo.
    Com um agrado de coração,
    Quel"

    ResponderExcluir
  5. Marquito, passei meu dia contigo, que bom ter participado dessas horas todas do seu domingo!

    ResponderExcluir
  6. É tão cru ao pé da linguagem, é morno quando se toca aos olhos, como vapor. Felicidade, apego, amor... é isso. Parabéns pelo texto.

    ResponderExcluir