domingo, 22 de maio de 2011

PÍLULA DA FÓRMULA DO AMOR - Número 9

Fórmula do amor

Resolvi caminhar sem fones de ouvido. Um exercício de fuga. Uma rápida partida para evitar persecuções. Imagino que, assim, escapo das incessantes ligações, do fumo, da luz do início da manhã, do ar. Uma oportunidade de pouca duração para rememorar expressões perdidas. A tal fórmula do amor, por exemplo. Quais seriam as palavras precisas, os princípios articulados ou os sons para descobri-lo? Ainda hei de encontrar um amor assim, do tipo que não me deixaria sem humor. Uma verdade em primeiro plano, uma disposição de ânimo. Uma questão de viver, como que a apreciar meu rio ou mar. Uma recorrência, como que em febre intermitente. Um riso simultâneo, como o que eu tinha ao lado de Jhon. O gesto exato, o jeito de andar, os planos perfeitos para impressionar. "Acabo de chegar em Belo Horizonte. Desembarco no JK e preciso de um cigarro. Dormir em ônibus de passagem barata é péssimo. Café da manhã no Ibis, ali na João Pinheiro. Na fachada, um buteco ao estilo copo sujo. Lá dentro uma jukebox gritando Kid Abelha, mesas de sinuca, prostitutas, travas, bichas montadas, muito padê e cerveja. Sexta-feira, às 9h da manhã. Tão rotineiro que mereceu ser registrado", escreveu-me Jhon, num contexto retirado, às avessas, de "Antes do Amanhecer". É que, no fundo da grande massa de água d'alma, sou romântico (ou penso ser). Vejo meu rosto em contra-luz, sempre na luz do fim de tarde. Nestas horas sou fantasia, imaginação. Se fosse a realidade, talvez eu veria que as coisas são mesmo mais fáceis na televisão. "Que poda é essa?", li numa plaqueta de um canteiro maltratado. Mantenho o passo e alguém me vê. Joguei um charme e nada a suceder. Eu que não havia perdido nenhum detalhe daquela nesga de jardim desleixado, agora me sentia a horta cheia de danos e fardos. Quais enganos cometi? O de supor ser certo que hei de encontrar a tal fórmula do amor? Não nas ciências ou no desenho de perfeitos traços, nem nos personagens de um romance que não criei. Devo me deparar é com minha própria aparição. Meu linguajar, meu português bem falado ou a lírica visão. O sol da Tunísia e um final feliz. O calor hospedado na gênese, e não na asfixia de certas mentes, loucas por respirar. Que seja numa noite em festa, na pose exata pra fotografar. Não na bipolaridade anunciada de Artur, nem no cotê de Caetano, no ufanismo de Manno ou no disfarce dos hippies. Mas nos livros que aprendi a usar, num certo ar do Sul de quem sabe o que quer conquistar. "Fácil de resolver", disse Fábia. "Coloca o rosto no congelador e espera o mundo por um minuto". Não posso compreender, não faz nenhum efeito. Que jeito então, pois que resolvi caminhar para auscultar meu coração? Nem tenho por mim a razão, muito menos os fones de ouvido, mas, diante da indecisão da caminhada (e dos sentidos), seja como for, o que sei é que ainda hei de encontrar a tal fórmula do amor.

Marco Antonio J. Melo

12 comentários:

  1. 'Um riso simultâneo, como o que eu tinha ao lado de Jhon'

    Sua literatura é urbana, cheia de confissões.

    'prostitutas, travas, bichas montadas, muito padê e cerveja'

    As vezes desconfio de q é mais ficção do que autobiografia. Se bem que em torno disso há um extenso debate. Considero 'Caminhando no Gelo', de w. Herzog um romance autobiografico criativo. - Se ainda não conhece a obra e estiver interessado, confira: http://luanlinks.blogspot.com/2011/05/werner-herzog-escritor-peregrino-e.html

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  2. Já acreditei... já desacreditei... hj cheguei a uma conclusão... ele existe... mas só existe em nós.. é uma ilusão que produzimos para conter a selvageria nata de nossa espécie... as vezes coincide com o delirio alheio..e isso eh otimo! Mas quando um dos dois ( ou mais..pq não?) envolvidos toma sua pílula ( a para curar delirios e febres) surge um caos dentro do caos e então temos a explosão... a faísca da criação... aprendemos a ser demiurgos de nós mesmos e estabelecemos universos paralelos que funcionam extamente por nossas leis! TOLOS MORTAIS QUE ACHAM-SE DEUSES! Seu universo não existe.. sua regras...pilherias.. Surge outro amor avassalador! Constroi, corroi, destroi e recomeça!
    O amor existe! Nós é que não existimos!

    Matemos nossos egos... aniquilemos os sentidos e as vontades... seremos então o amor!

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  3. Essa idéia do amor risonho, do peito repleto e sem pranto me remete a uma leitura que fiz há um bom tempo: Risíveis Amores de Milan Kundera.
    No livro esse amor idealizado seria o 'pomo de ouro do eterno desejo', um desejo que está em nós, na nossa busca, nossa mão estendida na estrada que pega carona no trem da fantasia. Em toda escala do amor buscamos um prazer nosso... já dizia Pessoa.
    Ainda acredito nessa idéia de um lindo amor, ele que me acalenta dentro das desilusões do amor real, do que extravia e me dilata.

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  4. Nem tento descobrir se seus textos são autobiográficos, pois há um quê neles que biografa todo o resto de nós, sei lá... Adoro o que vc escreve, amigo. Beijão

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  5. Me fez lembrar os fluxos de consciência de Guimarães Rosa e a meta linguagem em boa forma de Machado. Pincelados pela crueza de Bukowski. Bravo!!!
    Grande abraço. E um beijão pra Naná.

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  6. "sou uma pessoa muito importante e ocupada pra pensar em [e ter saco para] amor."

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  7. "É que, no fundo da grande massa de água d'alma, sou romântico (ou penso ser)."

    Confesso que preciso "confessar" esse trecho as vezes(ou sempre).

    PÍLULA DA FÓRMULA DO AMOR - Número 9 |Efeito Colateral: reflexão instantânea|

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  8. O engraçado é que a gente procura, e procura, e procura e no fim sempre achamos q encontramos formulas erradas. Na verdade, somos nós os errados, pois exigimos formulas prontas. O amor instantâneo: 3 minutos e está pronto - "estou apaixonado, entrego a minha vida a você."
    A formula do amor não é exata, não há equação que dê cabo de uma resposta acerca de amar e ser amado na mesma proporção.
    E, como acabei de tuitar, talvez a fórmula seja aquele trecho tão bem cantado pelo Nando Reis:
    "E as coisas lindas são mais lindas quando você está, onde você está. Hoje você está nas coisas tão mais lindas..."

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  9. Já faz um tempo que não caminho com fones de ouvido. Tenho eles comigo sempre, caso alguém tente me atacar em transporte público com músicas que não desejo introduzir no "repeat" do meu pensamento... mas, o fato é que, não por enjoar de música. Isso não é possível para meu ser... mas, estou mais aberto aos sons da cidade e neste ponto podemos mergulhar em uma discussão sem precedentes com divergências de opinião acerca de cada cantinho underground, sujo, luxuoso, refúgios, puteiros, parques, cinemas, teatros, bares, postos com vinhos de portos e ponto.
    E vendo-o citar BH só posso me lembrar da minha amada e odiada São Paulo. Cinza e opaca. Uma ferida na superfície terrestre... Paleta monocromática via satélite e ela pisca...
    Pisca Neon
    Piscam meus Olhos
    Pisca farol... e... amanhece linda. Com seu horizonte recortado em retângulos e com cheiro de sexo com marmita no metrô lembro de uma simples pergunta:
    - A fórmula do amor?
    Pergunte ao Kid Abelha...

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  10. Me sinto um idiota, às vezes, por acreditar que ainda encontrarei a fórmula também. Mas mais idiota ainda eu me sinto por ter deixado passar tanta coisa sem tomar atitudes quando era preciso. Acho que desperdicei tanto que... por que mesmo eu estou me confessando aqui?

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  11. Minha resposta paraa você:
    http://jamillecdias.blogspot.com/2011/05/para-marco-antonio.html

    =)

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  12. Aimmm que vontade de amar, de encontrar também a formula do amor, deve ser muito dificil, o amor é algo que ainda tenho duvidas, que eu não sei se realmente existe,talvez seja utopia... Não é coisa de gente mal-amada, é coisa de gente que nunca amou alguém, alguém especial alguém que fosse pra se sentir tudo isso dito no texto lindo,todas essas emoções e uma certa sensação de borboletas no estomago. Muito lindo o text, como todos os outros.

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