sábado, 2 de abril de 2011

PÍLULA DO APAGÃO CRIATIVO - Número 2

Tela de Marcus Antonius Jansen

Quando eu não souber o que fazer nem o que dizer, melhor que eu saia de cena. Provei o gostinho amargo do apagão e atingi o Nordeste. Hora de mudar de perspectiva, fazer outro teste de ribalta. É que fiquei, literalmente, no escuro, quase negro inteiro, de tão monótono meu espetáculo. Então me despedi apressadamente de Pereira, Jadson, outros que não enxerguei os rostos. Andando a esmo, até pensei se não podia acontecer algo fortuito no negrume de uma alameda. O máximo que aconteceu foi eu ter criado imagens de rejeição à tradição. Imaginei que, se alguém me tomasse a força, que preservasse as roupas. Porque agora pago de modernista por ordem alfabética: Chromeo, Delphic, Kleerup, Ladyhawke, Nneka, Röyksopp, Tiga. Nomes tão estranhos e presumidos quanto o meu. "Singin' in the Rain"? Não. "Dance in the Dark", com direito a sample. Nesta escuridão, sou meio que caos afetado, ainda que com um sumido traço de organização. Sou uma tela de Jansen. Ou seja, caótico, urbanamente sujo, descascado, grafitado, tipografado, fotografado sem que me peçam licença e unanimemente desconhecido. Creio que meu subconsciente seja mais famoso que eu. Eu sou o neo-expressionismo norte-americano invertido. Uma farsa burlesca. E Jansen é quase um homônimo, ainda que o nome dele, Marcus Antonius, seja entonado com mais empostação que o meu. Ah, um Jansen em meu quarto. Sem dúvida, seria mais bem frequentado (e remunerado!). Minha cama seria disputada. Haveriam rivais para acalentar meu sono. Mas estou tão embaciado, que não ardo nem em fogo, nem em luz. Pra se ter uma ideia, vaga até, a palavra forte do meu dicionário cotidiano continua a ser sono. Minha consciência está suspensa e repetitiva neste estado.  Recentemente, numa aula de yoga, simplesmente dormi. A intenção original era o exercício da meditação, mas a voz do orientador foi desvanecendo, tal qual meu próprio brilho e ternura. Despertei acanhado pedindo perdão. Eu não pertenço a uma família ilustre ou aristocrata. Não tenho muita cultura ou civilização. Não sobressaio em muitos aspectos e não tive andamento. Sou, por vezes, débil, é bem verdade. Apagadinho da estrela. Ultimamente tenho tirado os turnos para fazer exames médicos inumeráveis. Como se eles fossem constatar o fato e a origem da minha mentalidade franzina. Enquanto que outros, por aí, andam fazendo fila na Tribus. Gente descolada, inteligente, de visual legal, disposta a vender surfwear. Purki, por exemplo, é um destes garotos que figurariam bem fotografando streetstyle no Posto 9. Caso me visse, ele fatalmente passaria adiante, considerando suas alterações repentinas de escolha e sua visão apurada em Paraty. Eu estaria mais adequado aos que vendem mate, escapulário e biscoito Globo. Porque não sou michê encorpado, nem sou gringo e não grito a paquera das redondezas. Salve Ipanema, mas dei pra trás, é fato. Ando nervoso, esgotado, Lilian Cabral em "Viver a Vida". Não tenho passaporte e nunca viajei de avião. Não tenho tesão nem pra trepadas escusas. Sabe o que me disseram da última vez? "Caso queira, podemos deixar marcada a próxima". É nestas horas que revelo o quão meu linguajar é chulo, no que deve diminuir substancialmente a possibilidade de conhecer Erika Palomino. Quem sou eu na noite ilustrada? Nem sei, quebraram a última lamparina do meu poste. Imagine eu me apresentando: "Olá Erika, meu nome é apagão". Ah, a culpa é daquela velha chamada rotina, impondo restrições ao meu espírito criativo. Por favor, façam como no clipe de "Losing My Edge": batam na minha cara agora! Ops...acendeu.

Marco Antonio J. Melo

11 comentários:

  1. Estava com saudade de ler vc (no sentido lato sensu). O problema é que pílula vicia. E agora? Ontem comia doce e empada. Lembrei das vezes que já te encontrei por ali. E sim, eu sabia "quem era vc na noite ilustrada". Na próxma viagem, te carrego na mala.

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  2. Eu ultimamente não tenho feito nada muito diferente de me menosprezar. Tô no auge da minha crise dos 25 anos (apesar dos quase 27). É uma dureza quando você percebe que não é mais nenhum menino, que é um homem (táhm?!?) e que fez pouco, ou nada, e num tem muita ideia do que fazer dessa vida senão gasta-la Mas eu sei que no fundo sou uma estrela ofuscada de hollywood, um ganhador sem nome de vários grammys, mercury prizes, booker prizes, do ru paul drag race e todo esse tipo de coisa...
    Fico feliz por você dar voz a seu talento e espero que não se cale.
    Sorry, não dei sorte e não fui o primeiro comentário. Rs
    Xoxo

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  3. O que dizer?
    Que ao lê-lo, encontro-me em sua escrita, e que esta me causa sensações que nem sei dar nome?
    talvez disto você ja saiba e por isso escreve...
    escreve com tanta maestria que faz com que eu mergulhe em mim, a ponto de perceber que é preciso começar tudo de novo...
    Devo confessar que sensação igual a que sinto agora, so sentir ao assistir O menino de pijamas listrados...

    Se é que posso pedir alguma coisa, peço que volte amanhã, trazendo uma nova pílula para manter a luz do meu poste acesa.
    Xêro;;;

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  4. Colocar suas pílulas aqui vai facilitar muito a minha vida. Por vezes não via suas atualizações no Orkut e acabava perdendo a dose necessária para me despertar para sentimentos e reflexões por vezes esquecidos e/ou dormentes.
    Beijossssssssss...

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  5. Marquinho querido, obrigado pela retribuição da visita e pelas palavras.
    Sobre Itacaré? Os índios já sabiam, não é à toa que a chamaram de "Pedra de Fogo". É fogo!
    Memórias demais, afinal tenho raízes fincadas entre o mar e a mata atlântica.rs
    Bem como uma sementinha plantada ai nesse planalto.
    Voltei e fui bem recebido por mais uma pílula. Se continuar assim ninguém mais vai precisar de Morfeus pra descobrir a Matrix.rs
    abraço

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Pude te sentir bem mais nessa e na outra pílula (mais nessa, confesso,rs)do que em todas e quaisquer já tomadas. Deixou toda sua essência bem clara e transpareceu sua substancialidade.
    No mais, aperfeiçoar é fato aqui.

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  8. Demorando ..
    Q bofetada ...
    Uma pílula para os Marcos, Antonius, Jansens e etc ...
    Ñ uma LUZ, mas a própria imagem refletida no espelho do outro ...

    Ab.

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