PÍLULA DE BOA NOITE - Número 1

Está difícil acordar. E que não insistam em interromper meu sono. Não quero toques de alvorada, nem romper qualquer sonho luminoso. Se já não sonho tanto quanto antes, quiçá despertar sobressaltado. Levantar da cama, então, suplício. Sem ânimo, sem excitação. Nem mesmo música suspira meus sentimentos. Se fiz yoga ontem, anoiteço místico, amanheço Índia, mas não existe domínio do espírito sobre o corpo. É um breve sopro vital que me faz mexer as pálpebras, mas não, não mesmo me tirei do retiro do sono. Sim, bem sabem que venero passar pela pista do Poço Escuro deixando vestígios. O som na última extensão, o sol na última explosão. Por hora afável, brando. Phoenix, "Wolfgang Amadeus Phoenix". Tudo o que soa e impressiona os sentidos dos meus ouvidos. Tento não pensar tanto em trabalho no caminho. Tento suplicar, quem sabe angariar uma graça extraordinária. Sem qualquer exercício intelectual pra conseguir. Em resumo, sem esforço. Lida tem sido sinônimo de pressão, aperto, estômago comprimido. Não dá mais. Penso, sim, em férias e cais. No Rio, no cio. Até São Paulo. Na praia. Na zona da saia urbana. Pauta de hoje? Clipping, relatórios, books, livretos, planejamentos, jornais, computador, moda, VT, máquinas fotográficas, falta de grana e DST Aids. Eu, portador? Levo comigo só o nome, o destino e a carta de outrem. Fazendo ou enviando, peço apenas que abstraiam a incumbência. Da reza cantada às abstrações: bocejo, Joss Stone em "Baby Baby", a série "Skins", uma mostra de cinema conquista, Liz Taylor e outras faixas de jazz. Não tenho nome, alcunha ou estado. Minha boca insiste em abrir involuntariamente, aspirando, expirando o ar, vulgo roncar. Laurent Garnier, Speech debelle, Madonna, Janet Jackson, Lady GaGa em "Captivated and Electric Kiss". Tudo sonho, fama, pura cama e minha vontade de ligar. Pra Jhon? Meu hedonismo crescendo sem som. Cris, valeu pelos cigarros Marlboro (na ficção do sonho, claro). Eu sou mesmo é faro, vislumbre de dia, egocêntrico, hard e porno. Ejaculação espontânea. Ah, como eu não gostaria de acordar nesta manhã momentânea. E nem desejo dar boa noite. "Make me", o favor, sem despertador.

Marco Antonio J. Melo