segunda-feira, 22 de julho de 2013

35 VERÕES - Número 63


Adoro começo e meio. Fim não há. Mas tão-somente alguns fatos (não factoides) são infinitos. "O universo e a estupidez humana", diria Einstein. Todo o resto se escreve em tirinhas de papel para jogar aos ventos, tais quais as boas esperanças.
Adoro oxitocina. É o direito de amar que o corpo propõe em tramas, fotografias em matizes combinados, arte imitada de alguma cena clássica de cinema. E o mais luminoso amor. Aquele que eu ainda não consegui viver.
Creio que tudo se resume ao fato de que precisamos de amor. E de mais crepúsculos de verão.
Há um ritual ali sob o céu, um gestual sob medida, ao som de Etta James, ou The Cinematic Orchestra.
Penso sobre o silêncio, as emoções todas silenciadas.
Tenho, nesta hora, um desejo, um pedido universal. Que eu dê sentido à minha vida, que me sinta importante pra alguém, que eu tenha afeto e, outra vez, amor.
Pedidos de aniversário.
Expressões que dizem, pelo menos, metade. É minha adorável distração. Solicitar, orar pela manhã. Transgredir a ordem da mediocridade em vez de me manter distraído na morte das ideias e das práticas.
Estado isento de restrição, de não estar sujeito. De ser inteiramente livre.
E que fossem comigo as pessoas que escolho a dedo.
Não tenho filmes de família em super-8, não guardo muitas fotos, o Instagram ainda é um recurso poético tão pouco definido, mas, do que disponho em imagens, sorrio.
Trinta e cinco anos sorrindo.
Trinta e cinco anos de memórias. Como aquela de quando eu comia melancia no quintal. Ou a de falar com os gênios dos garrafões. Ou ainda a de comer miolos de pão.
Não vivi tão intensamente, não amei por longo tempo, não viajei, mordi mais do que mastiguei, mas muito mais ri que chorei. E com palavras e sonhos dou um significado maior a tudo.
É quando faço do mundo um lugar transbordante. Livre.
Está aí, no exercício da liberdade de expressão, o significado de breve.
Uma árvore de galhos recurvados, a luz do poste refletida, flores da cor do sol sobre o gramado iluminado, pólens de julho e a cena de súbito cessou.
Na casa, um velho sobrado, minha mãe ao piano, depois averiguando portas e janelas bem fechadas, mesmo todas elas sem trancas. Tudo tão lacônico quanto as minhas sensações de desconforto, temor, estranheza e a dicotomia da morte iminente.
Outra vez, esperanças.
Outra vez, crepúsculos.
O sol se perdendo do dia em vermelho, laranja e lilás. Um dos mais belos e infinitos efeitos a oeste da Terra.
Da eternidade após a morte, de vestir uma roupa nova depois que o dia amanhecer, de viver.
O reflexo da luz passando pelo vitrô produz uma subjetiva combinação na parede branca do corredor. Saí dia e noite por trinta e cinco anos.
"I love the dance floor", gritam os hedonistas no The Guardian, no Le Monde, no Herald Tribune, no New York Times, no Japão.
Ao lado, prefiro apenas calar e escutar "Clair The Lune". Ali, entre Copacabana, Leblon e a Lagoa. "Da iluminada vela na mesa velha de reunião antiga. O lugar cheira úmido, lembrando jornadas. Um dia, um dia".
Dei um meio sorriso ao tempo ao longo destes dias todos. Senti o gosto da simplicidade cheia de alma, a iguaria da viagem no tempo.
Do todo, um dos símbolos mais palpáveis da minha saudade é a minha mãe, e o piano. E o banho quente depois de ler os jornais, ou poesia.
O gosto é sempre este, de saudade, de otimismo e jazz. Todos filhos da criatividade.
Adoraria, nesta passagem, estar num Belo Horizonte, ou no são da cidade de Salvador. Entretanto, estou aqui, no porto meu da solidão. Dotado de razão suficiente pra distinguir o bom do mal crente, mas, caso não consiga, passo o tempo matando pernilongos ou pincelando sobre as unhas uma límpida camada de cor.
Este é o tempo do ócio torturante, um dos reflexos da autoadoração desmedida.
O fato é que eu e minha letra em post-it estão me bastando.
Talvez pareça uma horrível doença, esta que me obrigou a me tornar invisível. Mas, de resto, disponho a paisagem de outro modo.
Cancelo contratos noturnos, termino as noites sozinho.
Escrevo, reescrevo, e o mundo lá fora a me aguardar a hora, a palavra, o olhar.
Tudo, absolutamente tudo, depende do olhar. De como se vê sem nada ver, do quanto se tem a maravilhar.
Depois de trinta e cinco anos, eu fico com o duplo sentido e sua repercussão.
Fico sob a inspiração de Hormindo Barros, outro dos arautos do fitar: “Use primeiro os olhos. Num segundo momento, use a cabeça. Só depois use as mãos".
Meus textos, minha vida, livres assim, são minha varinha de condão. Faço pra encantar e até catequizar.
É minha política, lógica e coerente, meu cartão de presente.
Trinta e cinco verões de céu azul.
Declaro meu voto publicamente, meu aniversário de todo santo, exponho o ensaio e eis que saio a tempo da apreciação. Ou do escárnio.
De toda forma, adoro quando chego em casa seguramente no horário.
Estou aguardando já o meu instante da retirada, mas, por hora sagrada, melhor recomeçar os dias. Então, no final, tudo há de dar certo. Se ainda não deu, é porque o verão não findou.

Marco Antonio Jardim

2 comentários:

  1. Êxtase define meu sentimento depois deste texto, poema, poesia, bem posicionado às vésperas dos meus 34! Não acrescentaria ou mudaria nada! Perfeição é seu nome e sobrenome meu amigo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Amo você!

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  2. ...sempre perfeitos, mas esse me tocou de uma forma inigualável!

    (f)

    *um dia você fica sabendo quem sou.

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