Diante de certo caos, retorne ao olhar interior, ainda que seja frio, inquietante, quase entediante, mas sempre vestido de acolhedor. Minha alma pode até estar meio perdida numa esquina, no Rio Vermelho, mas nunca silenciosa como os depoimentos da comissão parlamentar. Se alguém encontrar, seja Dànskï ou Policarpo Quaresma, que envie pelos correios, mas não ria. É que se a política se apresenta a mim, sobretudo a que fala língua tupiniquim, não rio. Existe quem o faça, mas espere só a maré baixar. A que foi vista entre Ondina e Amaralina, sozinha, encostada nas tendas de Cira e Dinha. Pescadores afirmaram que viram a maré dando presentes a Iemanjá, rainha do mar. Numa estreita via, passando pelo Beco do França, a bolsa vazia de burburinho. Bem ao meio do caminho, no Largo de Santana, bebericando vinho. Em outro logradouro, descendo a Alagoinhas, próxima às cinzas do Imortal, foi vista minha força vital, minha maré. Até no mercado do Largo da Mariquita, trocando olhares com o repórter da multidão. "Pensando em jamelão no Rio Vermelho", onde o Rio é mais baiano. Meu princípio sensitivo estava Caetano, nu, rondando o fantasma de Caramuru. Minha alma e seu quilombo. Banhos de sal nas estátuas de bronze de Colombo. Cheiro de especiarias no tango do Café & Cognac. À vista, Confraria das Ostras, MidiaLouca, Sushi Deli e, depois do fim, Postudo. Minha ópera do malandro nada mudo, imaterial e boêmio. Meu coração tropicália, quase obsceno. Um pouco de café com emoção. Conhaque, mel e limão. Languidez, papos eróticos, cigarro e caipirosca de morango na mão, resumiu Daisy em seu vestido de crochê multicolorido e colar de cerâmica plástica araçá-azul. Da Roma negra mais brasileira, Mônica. Do riso de lantejoulas, Ana F. Do feitiço, Joline. Da vida real, sonho. Do cinema, Rafa em folhetim. Do teatro de saquê, Hebe Alves. Do lado do mar, areia do Buracão. Se o dia amanheceu ou não, minha foz desembocou ali, rubra e devota. "Os arredores são encantadores e um forte muito arruinado contribui para o pitoresco da paisagem", havia escrito Tollenare, afanado visitante francês. Será que me convence a tentar, novamente, um amor adolescente? Veja, não creio não. Meu sentimento tem sabor de fruta madura, ou isto é. Que cai do coqueiro sobre a taba do globo na praia da frente, virada pro sol em urdidura. "No meio da taba tem muito amor, candomblé, ijexá" e o leite da vaca negra e profana, derramado na farofa de banana das próprias tetas dessa época. Pois que jorre o leite bom na minha cara, feito a folha da Bahia, do Rio, de São Paulo, dos Santos de qualquer maré. "E o leite mau na cara dos caretas", ouvi cantar na barraca do vendedor de fumo de giz. "Sua cabeça vive em brainstorm?", perguntou Jonny. Cabeças feitas feito imprensa de pele marrom, no observatório da Baía já escura. Distintas na cor, iguais na doçura, Nabila, Sayonara e esta "Bahia onipresentemente", vista do MAM, com meu clã. Crente aqueduto e chafariz. Senzala, alambique e a oração que fiz a todos os santos. Do jazz à Buena Vista no Porto da Barra pelos cantos. Tantas bandeiras, tantos dreads, tantas gentes lusitanas, tanta informação extra-oficial, que nem notei a sombra ansiada do Graal desse estadão. Talvez tenha se desfeito no único lugar que o horizonte do mar recebe o por do sol na maré. Mas "eu respeito muito minhas lágrimas e ainda mais minha risada". Aquela que não dei. Segui, portanto, minha entoada, caí no gosto da moçada e soube, pela mídia, que Julia me procurou. Do Baile Esquema Novo, no sotaque da língua do povo, é assim que escrevo minhas palavras publicadas em jornal. "Simbolismo clichê e enfadonho", criticou o blog da esquerda. Que seja, mas não rio. Perto do mar, minha alma é sonho (e o jornalismo crítico diz que é vazio). Da balaustrada, em despedida, saudade doída deste mar. Diante de certo caos, o cais interior. Afora isso, nessa política (nacionalista, eufemista, jornalista?), nesse marisco mal passado, encho o pote de palavras-arsênico e sirvo chá às cinco da manhã. Sob neblina espessa, esse fardo de alteração do nível das águas de baixa maré. Chamam de artigo de má-fé. Quer publicar?
Marco Antonio Jardim