sábado, 4 de fevereiro de 2012

PÍLULA ONDE A carNE naDA valE - Número 38

Colagem de Bäst

Onde a carne nada vale, nada mesmo poderia ser mais transformador do que acreditar na tradução atualizada e literal desse carnaval que a gente vive. Mas nem tudo está conforme o costume geral. Tem aquela história cristã das festas regidas pelo calendário lunar, mas o fato é que ninguém olha muito pro lado de lá. Nem abrem concessão às minhas historinhas contadas, requentadas, repetidas, tão liquidificadas que parecem invenção. "Em pleno 2012 e vocês ainda dão credibilidade a Marco Antonio?", questiona Ana Clara, com sua altivez usual. E quando o usual é a única frequência, só se admite o extraordinário quando este atinge a essência. O mundo não enxerga a mim, nem a você, Ana Clara. Olha pra Berlim, Nice, New Orleans, Veneza, Toronto, Rio, Recife ou Salvador (sem policial). Seja onde for, bocas, peitos, coxas, bundas e paus. Cada vez menos, o olhar do mundo sente músculos involuntários. Um artigo na internet até perguntou se ainda existe amor. Em quartas de cinzas, o que rima com o mardi gras é sexo casual. E cheiro de frango assado, temperado ao gosto dos pernambucanos. Ao gosto dos umbus de Larissa. A outras frutas que eu desejaria chupar. No deserto da alma da cidade, o que há de sobra é paladar, depois de outros sentidos para assaltar. E os tufos no asfalto, quase Arizona. Lugar de abandono. Poucas esperanças. Algumas nos textos de Lya Luft, outras no livro que o taxista lê. Mas se a significância for a renúncia, é nesse bloco que desfilo. E determino a roupa de baixo (que já levaram), a mídia de impacto e o efeito da ilusão. Da história da doce lichia a outras fotografias, é o que danço. É o fado do carnaval. Não sou pop, não tenho clipe no Youtube, não estou no BBB, não sou convidado ao Circo Voador, nem sou amigo de Madonna. Tenho palco embaixo do chuveiro, minha bermuda é Riachuelo, faço ritual para o cabelo e não sinto a menor empatia pelo público juvenil. Mas o que melhor sei fazer, além de ser hostil, é compartilhar. Uma novidade boa, uma promoção, uma carona ou um tempo à toa pra ouvir seu coração. Não convenci? Então vou fazer carão pra ser it-boy, mostrar a cueca ao sair do carro, ser junkie ou l'enfant terrible. Vou pra festa popular, ser do universo big star. Ser iconoclasta, gênio e contestador. Ter um amigo encantador pra um dia inspirador até o fim da Rua do Alecrim. Não tenho iPad, mas ainda é tão romântico folhear um livro de papel. Não tenho apartamento, mas pago a conta de luz das minhas memórias. Minha contribuição, portanto, é muito mais que a manteiga do mês. Não faço a ponte aérea, mas tenho tempo de sobra pra planejar. Vou do Marais, ou da Liberdade ao Paraná falar de estrelas. Sem ambições de trio elétrico, eu sonho. Quase sempre sou eu mesmo nos sonhos, mas desconfio se não serei, de fato, eu mesmo pra sempre, com a respiração cansada, uma queda pelo cinema obsceno e o vício troglodita do cigarro. Minha vida é uma escola deserta e de samba vice-campeão. Nessas ruas vazias, sem fantasia ou plateia na arquibancada, posso olhar o que ninguém ainda viu. Olhar via celular. Onde mais uma louca me perguntaria qual, de fato, é minha viagem, senão aqui? Não somos extraordinários, Ana Clara? "Não somos ordinários, como toda a miopia nos leva a crer", respondeu Eliane Brum em seu lugar. Sou, mesmo sem crédito, uma colagem de um tempo deliciosamente real. Dizer que meu coração tem a idade daquilo que amo, não me soa nada mal. É o carnaval que a gente vive, afinal.

Marco Antonio Jardim

3 comentários:

  1. Se as pessoas bem soubessem, deixariam de se esforçar tanto para serem aceitas pela sociedade. Temos que impor quem somos, resgatar o amor dentro da gente e assim ser capaz de dar amor. Como aceitar o amor de alguém que não ama a si mesmo?
    Quero mais diversidade, mais cores, mais mundos, mais sinceridade e mais coragem. A liberdade habita no amor.
    Eu acredito em você.

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  2. Meu querido... Isso talvez seja a falta de ouvir 'Eu te amo!', mas já parou para pensar em quantos te amam sem gritar? Já parou para ouvir o coração daqueles que estão num carnaval de amor somente porque você contribui com sua existência? Você é mais, muito mais do que uma colagem, a colagem é o visual, vc é o que há por detrás da colagem, é a intenção que muitos não enxergam. Não sei se acredita, mas eu te amo, e posso dizer isso sem pestanejar, pois sem te ver sei da sua língua ácida e do coração doce, sei do olhar que mata e do sorriso que traz à vida, sei das palavras escritas e posso imaginar as ações feitas. Te amo pelo q vc é, pela intenção atrás da colagem. Acredite... Te amo sim!!! E há muito me dei conta disso, perceba isso também... as coisas melhoram com o amor!!

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