quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

PÍLULA DO LEDO ENGANO À PAIXÃO - Número 39

Eu, apaixonado

"Por que morrer com a desgraça do sofrimento? É melhor morrer por envenenamento". Recordo desse posicionamento pessimista de um documentário chamado "Jogo de Cena", carregado de olhar incrédulo, de cor negra, porque me faz pensar no cessar da consciência quando alguém escolhe não se apaixonar. Os cândidos creditam, ao termo paixão, os bons, ternos e belos sentimentos. É como enamorar-se perdidamente pelo firmamento. Por um espaço tão cheio de existência que tudo parece, deveras, mudar de cor. Nada tão próximo assim dos termos do amor, mas os apaixonados guardam relíquias, devoções, lembranças e recordações das estrelas. Sensação parecida me provoca o antigo apartamento de Cecye. Aqueles cômodos têm um inteiro significado de retiro particular. O chão de tapulho arranhado, o pufe de couro, a samambaia. O mousse de maracujá com sementes, a janela de onde se via o parque, a sombra boa de Thiago e o All Star de Indhira. A figurinha gasta no guarda-roupa vazio, onde se lê, de Maryse: "Nunca mais, nem morta, não quero, não posso, não devo. Humm...Então tá". É paixão. É deixar-se de existir para escutar aqueles passos aguardados no corredor, rememorar longas conversas no sofá, vendo a luz da tarde cair num sorriso franco. Até a cor cinza-cobre no centro da cidade parece ter algum encanto. "Se esta rua, se esta rua fosse minha...", cantou, chorando, uma personagem da vida real, num pedido de perdão. Ah, as fraquezas da paixão. Já é manhã de Carnaval, sento na cama vestindo uma samba-canção com estampas, tomo um copo com leite gelado e faço anotações no diário amarelado. Afirmam que pareço ridículo assim, mas sou daqueles que foi acometido pela conjugação do verbo apaixonado. Eu ainda estava desfiando o rosário da solidão, mas...e aí? Como fugir desse clarão repentino, misto de silêncio e de um olhar demorado, embevecido? Como se qualquer coisa dita fosse, assim, uma façanha. "Faça o que você ama", gritou a sanha da propaganda do Blackberry em canal fechado. Num dia, o cheiro do capeletti tomou o vácuo, no outro, verduras grelhadas atenuaram o calor. Os sentidos parecem ficar mais apurados quando se empresta paixão até a momentos de dor. De gusto ou palatare, provo as iguarias destes dias sentimentais. Quesadilla florentina no Blanco's e pão de três queijos com almôndegas, peito de peru, bacon, cheddar, molho de cebola agridoce, rúcula, azeitona preta, pimentão e cebola roxa do Subway. E provo das largas palavras contadas por Leo na tarde inteira. E uso o coração como expressão maior da cabedeira do meu pulsar. Os apaixonados são tão assim, piegas. Veem libélulas como há anos não viam, em forma de alma ou memória. E a luz, outra vez, muda de tonalidade em meio às pessoas quaisquer apáticas que viram as esquinas, as cidades. Paixão é como fim de tarde. É o tempo eterno entre um "olá" e outro "até", e o hiato repousado entre eles. Paixão: parece mesmo ter um significado igual ao eco do som da razão. E ao único gesto exato e humano que conta uma completa história. Das quinze às três horas da manhã de domingo. Tantas outras vozes catalisadas ali, em torno de uma camiseta rosa ou da voz de Marlua. Parece uma busca vibrante, amotinada e nua pelo sentido da vida vigente. Ah, essa apaixonada gente. Por que, então, não pode ser suficiente? Por que não colocar os sonhos bons no caminho daqueles que são descrentes? Por que, então, não ficar mais tempo? Revisitar o vento com esse ar de romantismo. É só apreciar meu novo corte de cabelo, meu magnetismo, meu prazer de viver. "Sob o manto da noite que me cobre, sou o senhor do meu destino, sou o capitão da minha alma", declamou um ser apaixonado. Os críticos afirmam, roídos de inveja, que ele perdeu a individualidade de tão fascinado pela vontade de ser. Ledo engano dedicado à paixão. Na minha reticente visão, creio que é só um desejo de abrandar a alma em rigor. Vai entender se não estamos nós, os apaixonados, falando mesmo é de amor.
Marco Antonio Jardim

4 comentários:

  1. Ahhh... é assim apaixonar-se... sei que disse antes que me sentia idiota por não ter O meu amor... =/... mas agora sinto-me boba ao ver o quanto estava errada e aprender a sentir os amores.. os sabores de amores como de amoras, que ficam no céu da boca... E participar desse momento foi sublime, talvez por isso a voz tenha saído em tanto eco aquela noite, porque embebi-me na paixão de outros.. no seu momento de paixão... Sem ter como descrever, só vontade de pulsar as cordas vocais numa noite a mais como aquela, e em dias que se seguiram após aquela noite. Espero poder sentir mais essa pulsação para melhor encher os pulmões e maior cantar com o vazio que se preencheu em mim... Pílula de lê-lo e de decifrar-me... Maravilhas...

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  2. Escondia o amor na paixão, tão efêmero esconderijo.
    Belíssimo!
    Aproveite, e que inspire ainda mais.

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  3. ENCANTADOR! UMA BELA VISAO DA PALAVRA PAIXAO!
    PARABENS JOVEM ESCRITOR!...

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