terça-feira, 19 de julho de 2011

PÍLULA DO INVERNO - Número 17

Escultura gigante de Theo Jansen

Sou um retardatário. Veja bem: não falei que sou retardado. Não confunda, portanto, meu adiamento com o desenvolvimento mental abaixo do normal que outros pares meus têm. Tenho sido tardio, sim, mas, se até o inverno tem chegado fora do tempo, por que não eu? É um frio de desalento que ando sentindo. Confesso que está difícil de perceber os sinais e fazer as escolhas certas, antes do corpo ficar imolado. É um melancólico congelamento o que tenho passado em meio ao silêncio nublado, à meia-luz. Entre o outono e a primavera, quero decidir parar. Porque está faltando idealismo, sabe? E sobrando desorientação. Agora mesmo estou com os braços encolhidos, de tanto frio na alma. Sim, aqui onde vivo faz frio. Não consigo conversar e tomar uma decisão mais definitiva, porque meus lábios tremem. Respiro e, quando solto o ar, meu sopro é fumaça materializando os fantasmas que não quero encarar: tristeza, choro, desespero, preocupação, nervosismo, irritação, falta de concentração, desinteresse pela vida, falta de sono seguida de pesadelos, fadiga interminável, dores e tensões no corpo, diarreia, asma, sensação de doença constante e falta de desejo. Com pesar, porque os agasalhos têm comprovado estes dias assim, em que até os sentimentos parecem gélidos, reforçado por este clima invernal dentro e fora de mim. O suor que desce das têmporas congela. Até o esforço de minha inteligência congela. Ao tempo em que ocorre, pouco se vê a chuva da compreensão alheia. Para os outros, parece tudo normal no meu manual do cobertor. O que consigo sentir, além da privação de calor, é que preciso mudar tudo. Ou quase tudo, que seja. Mas de maneira radical, para ser, depois, real. Prestes a completar 33 invernos, preciso voltar a ter vontade de tomar sorvete, por exemplo. Ou seja, sentir o sol de novo, com ordem, com calma, com vontade. Ser uma escultura gigante de Theo Jansen, ao sabor dos ventos em praias holandesas. Você tem noção do que é ter prazer de sentir brisa? Ou lhe falta mais sensibilidade que a dos meus dedos rígidos? É o inverno, meu caro. Eu fico impassível nesta época, feito um jantar de carne fria. Fico olhando, sem muito significado, sites com listas dos melhores do ano. Bebo em excesso e me retraio em culpa. Ou tropeço num caminho e noutro, feito uma velha magra que conversa sozinha sob o guarda-chuva. Não tenho prazer nem em dançar nas ruas, às duas da manhã, como sempre faço no verão. "Walking on Sunshine", de Katrina and The Waves, era a canção que eu escutava e não ouço mais. Normalmente não faço apologia para que o tempo passe, talvez por medo inconsciente de perder a juventude, mas não desejo mais esta estação. Quero o solstício do verão, o julho do hemisfério norte. Preciso abandonar as roupas e dormir seminu, porque elas já estão tomando a forma do meu corpo. Preciso suar, entende? Feito Lélia em despedida, que parece estar sempre se desligando dos caminhos que levam aos mesmos lugares. E, no fim da festa, sair a esmo dos outros olhares, sob madrugada estrelada, tal qual Lucas, o príncipe. É este o tempo da travessia que quero. Se eu não ousar fazê-lo, serei sempre o retardatário da margem fria do inverno.

Marco Antonio J. Melo

8 comentários:

  1. Quee Texto lindoo .. Realmente Perfeitoo, Parabéns.

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  2. Gostei muito das referências. Primeiro ao gênio português, depois à escultura de Theo Jansen. E também por todas as outras com as quais me identifico e sinto frio por tabela.
    Aqui por essas bandas o inverno é tímido, chove um tanto, venta um bocado, mas frio frio não faz não.
    Uma pena... não valoriza muito meu cigarro: pouca fumaça e as vezes fico tonto. rs
    Tenho escrito tb meu caro, ainda me arriscando nos contos como numa trilogia de minificções na qual conto a história de 3 mulheres. E ainda ontem, num lapso e sob a influencia de Caio Fernando, voltei a escrever poesia.
    Te espero lá no contatu.blogspot.com.
    abraço querido

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  3. Gosto do frio. Gosto do inverno.
    Mas as vezes me pego assim.. querendo que o tempo passe e logo entre em cena a nova estação. A das cores quentes. A dos dias coloridos. das roupas leves.. tenho a sensação que tudo parece se encaixar...
    E logo volto, polos(bi) e, quero acender o que carrego aqui, em mim, para demasiadamente curtir esse dias que parecem não passar.
    Um beijo, meu caro, anjo!

    Quero dividir um cigarro. Pra esquentar o toque do seu coração no meu.. que anda um pouco distante.

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  4. também quero verão. pra ver se te vejo lá.



    Tarlyson Porto

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  5. Um tanto nostálgico o retrato que faz do inverno, quando ele pode se manifestar externamente, mas permanecer verão no fundo da alma e nas batidas do coração. Seria até "ilegal" afirmar que o seu texto não é rico no seu processo de construção.Eu diria "minto" se afirmasse o contrário. Agora, suas nuances intimistas trazem uma carga melancólica, ao ponto de provocar o inverno dentro da gente, antes jamais sentido, embora não descaracterize a sua riqueza.Crise existencial, ou detalhes de um todo de intensa riqueza que só você sabe expor, através das palavras,ou ainda, mais uma face entre as diversas formas de expressão que só a linguagem poética é capaz de traduzir? Que seja tudo...mas, jamais gostaria de alimentar a ideia de tristeza invernal numa alma que sempre trouxe o verão dentro de si, com pouquíssimas oscilações, assim como o sol que brilha dentro de nós, mesmo quando é a lua que se manifesta.
    Li e reli, e tentei afastar a cortina que teimava em criar penumbra nas minhas idéias, para impedir que me penetrasse na alma a sensação gélida do seu inverno intimista.Feliz de quem consegue colher incólume 33 invernos nos verões tenebrosos e turbulentos dos dias atuais.
    Riquíssimo texto, meu caro e belo Marco...meu caro e belo "um Marco" na minha história de vida. Com certeza, quando eu crescer, que não venha a ser igual, mas gostaria de me parecer com você.
    Beijos carinhosos, ternurentos e amorosos da Mama Elva.

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  6. Eu acho que cada coisa tem seu lugar. Adoro o inverno, seu clima intimista e introspectivo. Acho muito bonito isso. O externo influenciando-nos internamente. Gosto do inverno pq o inverno tem seu charme. E assim como a Terra tem seus ciclos, nós também passamos por isso. Não necessariamente influenciado pelo clima, lógico. Mas nossos ciclos emocionais nos permitem viajar dentro de nós mesmos, nas nossas alegrias e nas angústias(principalmente nas angústias) e tb nos possibilita, outrora, de passear livremente pelo calor da conexão com nosso mundo exterior. É nosso inverno e nosso verão interior. Assim como existem as primaveras e os outonos dentro da gente. E cada ciclo é único e tem a sua beleza e a sua necessidade de existir.

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  7. Dei muita risada dessa parte: "Sou um retardatário. Veja bem: não falei que sou retardado. Não confunda, portanto, meu adiamento com o desenvolvimento mental abaixo do normal que outros pares meus têm."
    Achei engraçado!kkkkk

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  8. Sei muito bem como se sente, Marquinho... Esse inverno cinza e branco de conquista.
    Vem pra cá, me fazer uma visita. Aqui é sempre verão, os dias muito claros e calorentos, a praia sempre cheia de vida e a noite agitada mas com uma brisa de "inverno" pra confortar!
    Vamos tomar um bronze de bahia e tomar uma água de coco beem gelada pra refrescar! Te levo numa sorveteria maravilhosa e vc vai redescobrir o sabor da delícia!
    Um beeijo, querido. E me avise quando chegar!

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