domingo, 24 de julho de 2011

PÍLULA DO 23 DE JULHO - Número 18

Amy Winehouse

Algum tempo atrás, Jhon resgatou e me enviou poesias, trechos, bilhetes de geladeira e frases esparsas que eu havia escrito para ele ao longo do ano em que estivemos juntos. Um destes recortes se chama "Lista de Supermercado". Nesta, eu pretendia "comprar" alguns bens. Óculos escuros para Jhoe, ao estilo it-sunglass Alexander McQueen; uma roupa de baixo nova, porque Jhon estava usando a minha; um chaveiro Betty Boop para Clarinha; uma tese para Nalim, acrescida de algum elemento fitoterápico; um frasco de cosmético para Loli; um beijo para Saulo; e, para mim, mais tempo, fotos e histórias de amor. No balanço geral de um ciclo completado, as indefectíveis listas têm se tornado exigência. Todas elas seguidas de trilha sonora. Jhon, ao enviar a encomenda que solicitei, esqueceu do disco "Frank", de Amy, que Lucas havia trazido da Itália para mim. Entretanto, a canção que me arrebatara, e que me fez ocasionalmente chorar, foi "Love Is A Losing Game", em que ela cantava que o amor era uma perda, em que não se podia apostar. Ainda que declarado, intenso, mas só até o encanto se quebrar. Que possa ser o amor um resignado destino, ainda assim, vivi, acima de inúteis expectativas. Amy não. Ridicularizada pelos próprios deuses, encerrou-se em sua caricatura. "Balzaquiano inteiro, sensível e amadurecido. Tranquilo nas buscas. Demore-se, pois, nos encontros", escreveu-me Joab, para celebrar meu aniversário no mesmo dia em que fizeram de Amy um mito. No mesmo dia em que me apresentaram Rafael, um garoto de 17 que não pertence à sua geração, meia-noite depois de Jamille dissecar o coração. Sabe que não me sinto um personagem de Balzac? Tenho em mim o mesmo ardor juvenil, seguido de certa leveza pueril de quando eu corria do pé da ladeira da Capelinha ao último degrau da escadaria do Amparo do Tororó. Capacidade de sentir, aí sim, tenho em sobra. Se antes eu chorava mar de lágrimas que secavam sozinhas ao por-do-sol, hoje sou rio. Ainda faço como Pessoa, invento amigos, ou, quando menos, companheiros de espírito. Fito o horizonte de buscas, nem sempre de serenas ondas, tais quais os dias invernais da semana anterior. Mas, ainda sou tão feliz quanto o vapor de minhas memórias. Tenho histórias boas pra contar. Os encontros, cada vez menos fugazes, têm sido como que eternos cartazes de cinema para colecionar. Como em "Os Incompreendidos", de François Truffaut, sob as anotações de André Bazin, tão bem recordadas por Quel, que me deu o presente de suas observações. Falou sobre missões, sobre ser mãe e de quando podemos voltar a sonhar em tom maior. Esse dom que se chama conhecimento de mundo e só. "Você fez meu dia mais alegre e profundo", disse ela, aos meus próprios pensamentos interpretar. Com o intento de me ver gracejar, ganhei uma camisa com a seguinte frase em inglês: "How good is to see you smile. At me memories of better days". Lembranças de dias melhores é bem melhor que luto oficial. É pensar que, talvez, só para mim, meus próprios dias valem para ficar na eterna narração confidencial. Eu ou Amy, a perfeita sátira da esperança em nossa alma tão humana? Amy, insana, escolheu morrer. E eu aqui estou. Continuo com esta vida insistente, algo que anônima, um tanto mais diferente do semblante comemorado anos atrás. Entretanto, só mesmo vivo e manso poderia perceber estrelas cadentes como as que vi ontem à noite. Porque morrer, de fato, é um açoite que dói. Mas viver...não.

Marco Antonio J. Melo

7 comentários:

  1. "Lembranças de dias melhores é bem melhor que luto oficial."

    Concordo contigo. Ah esses lutos momentâneos e idiotas... ¬¬'

    Bom, é isso, fica aqui a minha impressão Marquinho. Um beijo seguido de um abraço.
    =)

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  2. Alguns dias são mesmos inspiradores né MarQuinho. E este foi realmente o seu.

    Eu gosto do modo como escrevi. Parece algo pré-concebido rss... é intenso.

    Ontem trabalhei ouvindo Amy e sua natureza selvagem. Sua voz abala todo o meu EU. Sinto muito que ela se foi tão cedo. Se imortalizou tão cedo.

    Fiquei sabendo por nossa amiga Paula Babilônia. Me lembrei de Conquista e tantas recordações boas, encontros não tão fugazes e desencontros pelas ruas, shows de rock, postos de gazolina.

    A amizade tem raiz no coração.
    Envelhecer é algo bom porque nos deixá maduro... somos a árvore da vida né... enquanto há vida temos muito o que aprender e quando chega a morte nos tornamos o fato, os sentimentos, o mistério, o mito.

    Viver é saber querer buscar sempre.

    Bjo leonino

    Fabiana

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  3. "...
    hoje sou rio...)
    Lindo isso, amigo, porque o rio corre, flui, renova, refresca...transbOrda...assim como as tuas intensas emOções!!!

    Continuo amando vOcê!!!
    Carpe Diem!!!
    bjO gRande no coração!!!

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  4. Apesar de acompanhar com frequência seus ESCRITOS (mto mais do que comento) e de saber o quão são bem ESCRITOS, vc sempre me surpreende com a leveza ao falar de coisas tão profundas.

    "...hoje sou rio"

    Beijosssssssss...

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  5. Bravo! Foi das coisas mais belas que li por aqui.

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  6. "Só não sou cego quando escrevo." - José Eduardo Agualusa.
    Assim é vc, em cada vez que te reencontras em suas tão suas palavras...
    Grande Bjo
    Kell

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  7. A dor da morte para uns pode ser o alívio diante a dor de ter que encarar a realidade que é a vida.

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