Quase ao tempo, ando lendo sobre os próximos jogos de futebol, sobre as pessoas que Danuza Leão conheceu em Paris ou viu de perto em Sevilha, sobre o grupo londrino de Bloomsbury, os escritos do século XII, as avenidas vazias da Coreia do Norte, na capital, e o reencontro musical de Caetano e Gal. Em algum dos trechos, não lembro bem qual, a palavra epifania ascendeu, feito um barato total. É, das expressões, uma das quais pouco fiz, nesse eterno jeito de não me espantar. Mas qual a palavra que nunca foi dita ao ar? Diz! Epifania. Lembra uma festa litúrgica comemorada num segundo domingo especial. Sei que tenho um pé fincado num futuro legal, cheio de fé, mas agora escolho uma direção outra qualquer. Talvez o hoje. Este é o cerne dos planos que faço: o dia em que estou. Que hoje, portanto, eu prove o gosto da felicidade. Um caldo com folhas de salsa, no ponto exato do sal. Tanto faz quente ou frio. Porque não sei como será o amanhã, afinal. Porque ainda é tudo tão vazio. E quando a gente está contente e tal, tanto faz o que se passa lá fora. Ainda que possa começar agora, eu, um homem tão sozinho, quero mais é provar do gosto do meu caminho. Enquanto o de outrem, é um nem vai, nem vou. Se tenho receio do meio do tempo que já passou? Ao que leio, não há assunto final. Até me perguntaram se tenho medo de envelhecer. Como, se não vejo sentido nem em morrer? Mas aceito o convite pro chá. Compro uma roupa pra vestir, uma gravata-borboleta, um suéter, um presente pra dar, um licor. Tiro o pedaço de papel do bolso, confirmo o nome da rua, olho pro alto e pra sua. E sigo ao norte, que é pra onde aponta a sombra da sorte e o sol do fim do dia. Ao apartamento de Joana e consorte. Mas, antes, quero o mundo. Quero sair lá fora e encontrar. Meu coração, tão cheio de esperança, atônito e luminoso, atento e forte, não há de cansar nesta busca. Pode até ser um recorte do mundo, mas que seja também um instante de prazer. Com um restinho de sol pra sorver. É que ainda brilha este caminho que nunca passei. E o sol, que atravessa essa estrada, "é o sol sobre a estrada, é o sol". Que eu até esqueça do meu compromisso, com aquilo ou com isso que aconteceu horas atrás. Nestas horas, já no apartamento, com gentes ao lado, sorrindo ou vendo, sei exatamente o que quero fazer. Meu empenho, como disse, é para hoje saber que a vida é assim, com isso aqui perto de mim, e aquela canção de Tiê ou Roberto. No fim, tudo há de dar certo. Investir em transmutação? Será que pra chegar ao meu destino, preciso desse tempo que está por vir, dessa conexão? Penso que não. O horizonte do hoje é muito mais hipnótico. É uma alegria. O hoje é um domingo ao redor deste céu de tarde fria. Epifania. Hoje é meu dia, é meu dia.
Marco Antonio J. Melo